domingo, 31 de janeiro de 2010

O vírus da nostalgia



Domingão de sol e praia, ressaca castigando, resolvi tentar a sorte no show da Rita Lee no balneário de Atafona. O local bem propício: uma boa estrutura de palco em meio às casuarinas e um leve toque da brisa de beira de praia. Quase seguindo à risca a propaganda fisga-turista de verão - São João da Barra: o paraíso é aqui! - não fosse pelo trânsito caótico na saída do show (apesar de que com tanta gente boa circulando por aí, o trânsito do inferno também não deve lá ser muito suave). Fui atraído pela presença da figura de Rita, pois nunca havia ido a um show dela. Acompanhada de seu marido Roberto de Carvalho e seu filho Beto Lee nas guitarras, a paulista, com trejeitos de Mick Jagger, esbanjou simpatia, lançando tiradas de humor e alfinetadas nos candidatos à presidência da "tragédia" eleitoral de 2010. Dilma foi comparada a uma caquética professora de piano que dá reguadas em seus alunos, e Serra como aquela figura que dá uma notícia de morte à família. O repertório, um giro pela borda dos anos 70, início dos 80 com "Chega mais", "Doce vampiro", "Saúde", "Flagra", "Lança-perfume", "Banho de espuma" e por aí vai, além de um momento Michael Jackson com direito a imitador e playback de "Who's bad". Confesso que fiquei com aquele espinho do saudosismo fincado no cerebelo. A Rita já não é mais a mesma há muito tempo. Sou fã da Rita dos Mutantes com sua voz ora com um tom doce (vide "Ave Lúcifer"), ora rasgado ("o meu refrigerador não funciona").





Obras primas do início da década de 70 como "Hoje é o primeiro dia do resto de nossas vidas" (disco solo em parceria com os irmãos Baptista), "Build up" e "Atrás do porto tem uma cidade" marcaram época e são considerados discoteca básica para qualquer um que se aventure pelas veredas do verdadeiro rock nacional. Em 75, Rita Lee, acompanhada pela banda Tutti Frutti, gravou dois discos memoráveis: "Fruto proibido" (desse ela tocou 2 músicas: "Agora só falta você" e o hino "Ovelha Negra") e "Entradas e bandeiras" (esse eu tenho em vinil, original de 76). A partir daí, iniciou uma carreira mais pop, de que eu particularmente não sou muito fã, gravando hits para novelas, coisa e tal.

Esse meu acesso de nostalgia não ocorreu somente no show da Rita. Já fui ao show do Sérgio Dias (ex-atual guitarrista dos Mutantes)em Rio das Ostras, já vi Neil Young no Rock in Rio e, no próprio balneário de Atafona, tive o prazer de assistir ao camaleônico Ney Matogrosso (ex-Secos e Molhados). Entretanto, por mais que eu saia de casa vacinado contra esse meu saudosismo, parece que o tal vírus é mais forte do que eu. Fico um pouco frustrado, mesmo sabendo que não encontrarei o que procuro e acabo me contentando em estar ali, próximo a esses grandes ícones que tanto fizeram girar minha cabeça feito um bolachão na vitrola. O que me conforta é saber que tive e tenho o privilégio de escutar a Rita em sua época áurea (pelo menos pra mim) através dos vinis, cds e atualmente os arquivos em mp3. Acredito que a maioria das pessoas que ali estavam, inclusive gente de mais idade do que eu, desconhece esse passado underground riquíssimo mesmo tendo vivido a época.

Enfim, como disse Jagger: "we can't always get what you want"

Um comentário:

  1. Boa resenha. A Rita sempre tem algo a dizer em seus shows. Gosto de músicos/vocalistas que aproveitam esse momento ímpar de frente de uma platéia, seja ela grande ou pequena, e dá seu recado. Alguns anos atrás num show dela no Farol, lembro dela colocar aquela platéia gigante pra vaiar Arnaldo... isso pq era ele quem estava contratando o show dela. Não sei se foi a intenção da resenha, mas pensar que muitos ali não sabiam quem tinha sido a Rita das antigas, da época áurea dos Mutantes, é pensar que o povo só se liga mesmo nas músicas atuais, nos hits de rádios. E pensar que a Rita também optou por seguir um viés pop/vendável, reforçando essa aculturação é pior ainda. Ser política fazendo pop, mesmo sendo quem foi, soa estranho, porque vai contra o que ela mesmo se propõe nos shows que é dar essa espetada na cena política.
    Enfim, boa resenha e boa contribuição na rede blg de cultura de Campos!

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