
É... Fevereiro aos 40 graus e mais um carnaval chegando com toda aquela imposição absurda infernizando nossos sentidos. Confetes, serpentinas, "pierrots" e colombinas ao som de marchinhas hipnóticas e desfiles glamurosos. As cabrochas na avenida, a festa das organizações globo e seu teatro de silicones e botox. Tudo colorido, descompromissado, surreal. Esses malditos dias me fazem lembrar do filme "O mágico de Oz": um mundo cinza e insosso sendo atingido por um furacão que manda tudo pelos ares, fazendo os tripulantes aterrissarem num universo paralelo repleto de cores, brilhos e seres estranhos. Fadas, bruxas, espantalhos e macacos voadores cantando e dançando, seguindo a estrada dos tijolos amarelos rumo ao falso mago de poderes duvidosos. Tudo não passava de um sonho da pequena Dorothy. Pois é, carnaval...
Tenho poucas lembranças de carnavais, talvez por uma censura psíquica forte ou excesso de álcool. Me lembro que até gostava de ver os flashes televisivos da tal festa profana na Sapucaí, porém com o volume no mínimo (acho que naquele tempo não existia a função "mute"). É bonito, sem sombra de dúvida, não fosse pelo que está por trás dos bastidores. Os pancadões da bateria me incomodavam, eu simplesmente não conseguia me adaptar àquilo. Deixo bem claro que não tenho nada contra o verdadeiro samba. Apesar de não ser grande entusiasta do tal ritmo, entendo que figuras como Cartola e Noel, entre outros merecem o seu lugar ao sol. Os respeito enquanto peças estandartes da cultura brasileira. O samba do morro (vide Bezerra da Silva) é o equivalente nacional da voz do negro oprimido dos campos de algodão do sul da américa do norte. Agora samba-enredo é osso duro! Está certo que alguns trazem fatos históricos, críticas sociais e etecétera e tal, mas o negócio é repetitivo e mal interpretado, resumindo: um contundente pé no saco.
Já passei vários carnavais em São João da Barra, mas nos dias da batalha Congos x Chineses eu me enclausurava. Lembro que me juntava com os amigos e ficava no "velho Julhinho" ouvindo o bom e velho rock n' roll, jogando xadrez e derrubando garrafas de conhaque Domeq. Seríamos intelectuais demais para carnaval?? Não, talvez fosse porque não tivéssemos um videogame, nem mesmo televisão na maioria das vezes. Mas era opção nossa e enquanto não acabava, era a única.
O espetáculo da Sapucaí encobre o cenário sócio-econômico e político caótico de nosso país. Os problemas são esquecidos nessa época retornando com força total na ressaca da quarta de cinzas. A receita é perfeita: muito álcool + samba + mulheres semi-nuas = povo feliz feito crianças em propaganda de achocolatado. O circo está armado! O pão?? Ah... deixa que quarta-feira a gente resolve. Feliz de quem consegue tirar proveito disso. Um trecho da música "Mucama", do grupo de reaggae Cidade Negra, cantada por Gabriel o Pensador, reflete bem esse meu sentimento de indignação.
"Na quarta feira é a volta pra realidade que arde
Acaba a comemoração apaga a televisão pra não gastar a eletricidade
Como na Cinderela carruagem volta a ser abóbora
E na favela o carro alegórico some
E volta às sobras: sobra de feira, sobra de terra, sobra de chão
Sobra de lama, sobra de bala perdida e sobra de comida
Pra mucama, mucama que nada exclama, que não reclama, que não se inflama
Se acalma vendo novela, pois na tela todo mundo ama
Todo mundo, mas na vida real todo mundo se odeia
E ódio gera ódio, um sobe no pódio, outro serve a ceia
Ceia no natal, tem Xuxa no carnaval
Mucama deitada na cama beijinho beijinho pau pau. Tchau!
Eu só vou te usar, você não é nada pra mim
Já temos outra pra botar no seu lugar - Pirlimpimpim!
Abracadabra, é como mágica, mas não é abra-te Sésamo
Porque aqui as portas só se fecham
Bum! É menos uma oportunidade
Não é só a quarta-feira que é de cinzas, na verdade é a semana inteira
Quinta, sexta, sábado e domingo e segunda
E o povo mucama continua sorrindo levando nas coxas, levando na bunda
Mas não faz mal, porque depois melhora tudo... no Carnaval"
Boas festas aos foliões de plantão e até a próxima...